Medo do insucesso escolar leva cada vez mais alunos a perturbações nervosas
- Jéssica dos Santos

- 20 de ago. de 2017
- 11 min de leitura
A época de exames é o momento propício à presença de quadros de ansiedade. Nos últimos anos, os estudantes foram considerados um grupo de risco para o desenvolvimento de doenças mentais, como a depressão. O receio do insucesso escolar obriga os jovens a ultrapassar os seus limites físicos e emocionais.
Este é um problema ainda pouco explorado. Existem poucos estudos em Portugal que permitam perceber os fatores que estão na origem destes distúrbios. Porém, a pressão por parte dos familiares e professores, bem como as expetativas pessoais e sociais são variáveis que possuem um papel determinante.
A ansiedade é visível ao nível do rendimento escolar dos alunos. Os bons resultados académicos deixam de ser uma das prioridades. A ansiedade dá lugar a desmaios e a idas ao hospital. Os pais deixam de pedir e passam a exigir. O mercado de trabalho encontra-se saturado, devido aos problemas sociais, económicos e políticos associados, e procura apenas os melhores. O Curriculum Vitae é a nova bíblia sagrada e os alunos têm de sair da faculdade com um percurso de mestre.
Afinal, qual é o preço para ser bem-sucedido?
Estudos internacionais realizados nos últimos anos, e reunidos pela Ordem dos Psicólogos, revelam que o número de doenças psicológicas tem aumentado. Para se ter uma maior perceção desta realidade, numa turma de 30 alunos cerca de 6 sofre de problemas do foro psicológico. Será que a ansiedade escolar sempre foi um problema presente, mas oculto, ou os tempos atuais trouxeram algo que fez desabrochar esta problemática?
Cármen Rodrigues, psicóloga clínica há 20 anos, responde a esta questão: “As perturbações nervosas sempre existiram, mas não eram devidamente exploradas. Hoje em dia é diferente, porque há mais informação, os professores têm um maior contacto com o serviço de psicologia, há um maior alerta para os sinais desta problemática”.
Com um trabalho desenvolvido em escolas, é na interação com os alunos, durante as consultas, que a especialista se apercebe que a ansiedade tem uma forte presença no ambiente escolar. Questionada pelas mudanças que os alunos têm vindo a apresentar com o passar dos anos, a psicóloga considera que “nestes quadros existem vários fatores em jogo". "Os alunos há 15 anos estavam num contexto socioeconómico diferente. Se havia problemas de ansiedade, estes não eram detetados, porque não existia uma sensibilização para o papel do psicólogo nestas situações. Os números poderiam não estar claros, porque não haviam recursos, mas existia ansiedade.”
O constante processo de desenvolvimento da sociedade leva ao aparecimento de fatores que apresentam um papel preponderante na vida das pessoas. As alterações socioeconómicas do país são um claro exemplo da importância que a sociedade tem na estruturação e desenvolvimento da estabilidade psíquica do ser humano. A realidade que Portugal atravessou deixou marcas em muitos portugueses. De acordo com a psicóloga, a crise económica refletiu-se na mudança de comportamento: as pessoas ficaram mais apreensivas, com mais receio do futuro, e a competição, por sua vez, também entrou de uma forma mais clara na vida de todos, contribuindo para a exponenciação dos níveis de ansiedade.
Segundo a consultora IMS Health, em 2010, ano marcado pela forte presença da crise económica em Portugal, o consumo de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentou 17%. O frágil ambiente económico proporcionou um aumento de problemas sociais. As pessoas começaram a não saber lidar com os obstáculos e entraram numa espiral depressiva. De acordo com a ordem dos psicólogos, estes ambientes colocam as pessoas à prova, na medida em que muitos são os que perdem os empregos, alteram as suas rotinas e fazem contorcionismo com o orçamento familiar. Nem todos possuem uma bagagem emocional capaz de lidar com a mudança. A exigência tornou-se uma realidade presente não só no mercado de trabalho, mas também no ensino.
“Comecei a tremer e a sentir o coração muito acelerado”
Rodrigo Nogueira, de 20 anos, sofre de perturbações de ansiedade desde cedo. O estudante universitário afirma que o stress sempre fez parte dele, mas reconhece que foi no secundário que aumentaram os episódios de nervosismo, levando-o a ter ataques de pânico. “Foi um bocado estranho. Comecei a tremer imenso, a ficar com frio e a sentir o coração acelerado. De repente só me lembro de desatar a chorar desalmadamente.” É desta forma que o jovem descreve o primeiro ataque de pânico, provocado pela ansiedade escolar. Tinha apenas 17 anos e frequentava o 11º ano. Sentia-se ansioso com o teste de Físico-química que ia ter no dia seguinte. Como era uma disciplina que gostava e que por norma tinha boa nota, a pressão para manter um bom resultado era grande.
Rodrigo considera que é muitas vezes transparecido a ideia de que uma pessoa para ser bem-sucedida tem de ter desde cedo os seus objetivos de vida traçados. Como se de um guião tratasse. É o saber “para onde quero, como poderei alcançar”. Desta forma, é dado uma margem de erro muito pequena aos alunos e a pressão torna-se uma presença assídua. “Os próprios professores exercem esta pressão ao estarem constantemente a alertar os alunos para os exames nacionais. Eu tornei-me muito mais stressado a partir do décimo ano. A questão da média, a pressão para entrar no curso que queria, na universidade que queria começaram a ser preocupações frequentes."
Carmén Rodrigues afirma que “o secundário é um nível académico mais exigente e, fruto dessa instância, vinca mais a questão da falta de tempo entre os jovens. O tempo de lazer e de família, que é transversal a qualquer ciclo de ensino”. A psicóloga acrescenta ainda que “as relações sociais acabam por ser atropeladas, e podem ter uma forte projeção quando não são amadurecidas”.
Os alunos estão sob uma enorme pressão, têm rotinas de estudo muito vincadas. O investimento académico é maior, assim como a necessidade de apresentar bons resultados. Esta pressão é exigida não só pelo próprio nível de estudos, mas também pelos professores que vêem o seu trabalho refletido nos rankings das escolas. Tudo isto somado leva a quadros de ansiedade que, não tratados, ascendem a outros níveis.
Rodrigo é um exemplo dessa evolução dos níveis de ansiedade. Com a entrada na universidade, o estudante viu os episódios de stress e nervosismo a aumentar. O segundo ataque de pânico que Rodrigo sofreu ocorreu no passado mês de novembro e teve proporções maiores: “Durante a semana tinha estado sempre muito nervoso e preocupado com a cadeira de Biofísica, porque tinha tido 10 na primeira frequência. Tinha medo de chumbar à cadeira. Lembro-me de estar na sala de aula e de repente comecei a sentir muito frio, a tremer e a ver uns «flash’s». Depois apaguei. Não me lembro de mais nada”. O jovem explica que nessa semana ia ter três testes, andava bastante cansado e estava sempre a estudar.
Apesar de não ter uma memória nítida do momento, Rodrigo recorda-se de acordar deitado no chão junto à porta da sala de aula, e de ver os colegas à sua volta juntamente com a professora. Foi transportado de imediato pelo INEM para o hospital, onde permaneceu internado durante uma semana. “Os médicos dizem que a convulsão provavelmente está associada ao cansaço. Fiz uma TAC e ainda estou à espera dos resultados.”
"[A ansiedade] Faz parte da minha personalidade”
Agora que já passaram alguns meses depois deste episódio, o estudante tece algumas considerações relativamente a este problema, pois acredita que é um dos muitos exemplos de quadros de ansiedade presente nos jovens nos dias de hoje. “Sinto uma enorme pressão para ter uma boa média para ingressar num bom mestrado. A área da saúde, que é a que eu estudo, é muito competitiva, pois existem inúmeros cursos com grande prestígio, como a medicina, e torna-se complicado destacar o nosso trabalho. O meu curso (Biologia Molecular e Celular) é de apenas 3 anos. Desta forma, a carga horária tende a ser mais exigente, uma vez que como não possuem um mestrado integrado, e existe uma maior exigência para reunir um maior número de matéria que em vez de ser lecionado ao longo de 5 anos passa a ser apenas em 3.”
O estudante afirma que nunca sentiu a necessidade de ir a um psicólogo, porque apesar de sofrer de perturbações de ansiedade consegue sempre retirar alguma aprendizagem dos episódios que sofre - “Depois de este último ataque de pânico, comecei a reorganizar e repensar as minhas prioridades. Não consigo ter um total controlo sobre mim próprio, mas tenho momentos em que consigo desligar da faculdade. Para a semana, por exemplo, vou ter exames e neste momento desliguei por completo. Não estava a aguentar.” Rodrigo conclui que não consegue viver sem a ansiedade: “Faz parte da minha personalidade”.
“Existe ainda um grande tabu em torno deste assunto [a ansiedade]”
Catarina Pereira percebeu o impacto que a ansiedade estava a ter na sua vida, quando durante uma consulta de rotina a enfermeira a alertou para a perda de peso brusca que havia registado. A jovem de 20 anos associou de imediato a falta de apetite ao estado emocional, mas em conversação com a médica percebeu que poderia estar a colocar a vida em risco. Com 1.60 cm, Catarina pesava apenas 42 quilos. Pelo sim pelo não, e para prevenir futuras consequências, foi internada durante uma semana. Faltou às aulas e não expôs muito esta situação no círculo de amigos. “É um problema cada vez mais presente na sociedade, mas existe ainda um grande tabu em torno deste assunto”, começa por acrescentar a jovem. “Na altura andava no nono ano e tinha que decidir que área de estudos iria prosseguir no secundário.”
Apesar de ter a orientação de uma psicóloga, a estudante revela que a avaliação das aptidões “é feita de forma muito geral”.
Talvez por causa dessa indecisão, Catarina acabou por ir para Ciências e Tecnologias, porque era, segundo o que lhe diziam, uma área com muita saída profissional. No entanto, foi durante o secundário que a jovem percebeu que a sua vocação não passava pelos números, nem pelo rigor da Biologia e Fisico-Química. À medida que o tempo passava e a matéria que considerava desinteressante acumulava, Catarina desenvolvia cada vez mais o gosto pelas letras e utilizava-as como forma de refúgio. “Sempre gostei de lei e escrever, mas nunca tinha pensado em fazer disso futuro. No secundário, e ao confrontar-me com disciplinas que não gostava, desenvolvi cada vez mais esse meu gosto.”
Vocação encontrada estava na altura de mudar de rumo. Este seria o final pressuposto, mas Catarina continuou com muito esforço e (pouca) motivação: “Não mudei, porque tinha medo de começar tudo do início. Sentia também a pressão social de ter de terminar o secundário dentro do tempo estipulado. Não queria que olhassem para mim como uma pessoa com os objetivos pouco definidos”. Com medo de demonstrar um lado mais frágil, a jovem preferiu continuar na área de ciências ao longo dos três anos de secundário. Porém, o trabalho foi árduo, uma vez que tinha de se esforçar o triplo para estudar e também para obter bons resultados e entrar no curso que queria: jornalismo. “Infelizmente, os alunos são vistos e definidos como máquinas e números. Têm de acertar à primeira. Saber desde sempre o que querem, porque não há tempo, nem mentalidades para lidarem com o facto de o ser humano se descobrir mediante as suas experiências”, explica a estudante.
A fase dos exames finais que determinariam para que curso iria foi uma altura atribulada para Catarina. “É um momento de grande nervosismo para a maioria dos estudantes, e eu não fui exceção”, diz. Exames feitos, só restava esperar. Pelo melhor. Mas mais uma vez foi posta à prova. Os resultados dos exames não foram suficientes para entrar na universidade que queria, no curso que queria. Catarina fez jus ao ditado: “a vida é feita de segundas oportunidades”. Concorreu à segunda fase e cumpriu o seu objetivo. Jornalismo em Lisboa. “Estava num momento mais tranquilo da minha vida. Finalmente estava no que queria”, lembra a jovem.
Porém, a ansiedade não foi colocada de lado. A vida académica também trouxe consigo outros tantos momentos de nervosismo e tensão. “Continuava ansiosa em relação a tudo. As apresentações orais são um momento que me levam ao extremo. Começo a tremer e entrou num ciclo de pensamentos negativos.”
No ano passado, Catarina teve a primeira cadeira opcional com uma componente mais prática. “Só de pensar que ia ter uma cadeira intitulada de “Atelier de Televisão” eu entrava em stress. Apesar de eu querer experimentar, ficava receosa.”, declara.
Tal tensão impediu-a de ir à primeira aula: “Na noite anterior não dormi nada. Estava constantemente a pensar na cadeira, que não conseguiria ser bem-sucedida. Adormeci às 5 da manhã e não fui à aula no dia seguinte com medo. Não sei explicar”.
No entanto, a jovem sentiu a necessidade de ir às aulas, não por gosto, mas porque tinha medo de reprovar. Aquilo que poderia ter sido um pesadelo transformou-se numa surpresa para a estudante. “Não percebi a minha reação. O professor era espetacular, e aprendi imenso com a disciplina. Detesto este medo que tenho, este sofrimento por antecipação que acaba por me limitar.” De forma a ultrapassar este medo que condicionava cada vez mais a sua vida, Catarina decidiu recorrer a um psicólogo do Instituto Politécnico de Lisboa. “Na maioria das sessões, trabalhei a minha confiança através de alguns exercícios. Inicialmente foi uma ajuda, mas depois comecei a entrar numa rotina e as consultas já não me traziam nada de novo”, justifica Catarina.
“Este ensino em nada contribui para a evolução dos estudantes”
A estudante universitária tem a consciência de que este é um problema cujo controlo depende mais da sua vontade e predisposição para mudar. Porém ressalta o papel que a sociedade não tem, e devia, no que diz respeito às perturbações de ansiedade: “O problema já advém do próprio ensino. Este em nada contribui para a evolução dos estudantes. Diminui a disposição e vontade de aprender dos alunos. A escola passa a ser a última prioridade dos estudantes”.
Os estereótipos criados em torno de cada curso também limitam a escolha dos alunos. “Os cursos profissionais são vistos muitas vezes como uma opção elegida por pessoas desinteressadas pelos estudos, e com um nível de conhecimento inferior”, afirma. Segundo Catarina, esta visão presente na sociedade acaba por restringir a escolha dos alunos no momento de decisão do rumo académico - “Há muitos caminhos, podes fazer diversas coisas e ter sucesso. É preciso arriscar e ter coragem para enfrentar os cânones da sociedade e demonstrar que o ser bem-sucedido na vida nem sempre está enraizado no percurso básico-secundário-universidade-mestrado”. A estudante reforça ainda que o ensino devia preparar os alunos para o que há para além das quatros paredes da sala de aula. Abrir os horizontes e mostrar que experiências como Erasmus, voluntariados e gap years também enriquecem as pessoas. A vida para lá da teoria.
Estará a sociedade preparada para responder a estes episódios de ansiedade?
Cármen Rodrigues esclarece: “Pela experiência que tenho com as instituições de saúde, nomeadamente os hospitais, na área de psicologia, estão pejados de pedidos. Com esta afluência é difícil de dar uma resposta de qualidade porque trabalhamos a metro”. Confrontada com esta situação, a psicóloga revela que, recentemente, teve de encurtar o número de pedidos, de forma a poder responder com qualidade aos casos apresentados. Deste modo, a especialista alerta para a necessidade de se criar uma maior rede de suportes que dê resposta a esta quantidade de casos. Segundo afirma, existem psicólogos em centros de saúde com um rácio de 3000 utentes. “É impossível responder com qualidade nestes casos, apesar de se ter os recursos necessários. O processo de reestruturação emocional requer muito tempo, porque muitas destas perturbações são um acumular de muitos anos de ansiedade.”
A sociedade rege-se por um sistema paradoxal, pois "os jovens são educados numa sociedade que os guia sob as máximas «errar é humano» e «ninguém é perfeito» e, simultaneamente, são forçados a demonstrar a perfeição em tudo o que fazem”, afirma a especialista.
“Não existem fórmulas para se ser confiante, mas formas”
Estes são alguns dos muitos exemplos que existem na sociedade. Tiveram os seus extremos, mas ainda não se pode dizer que Catarina e Rodrigo já ultrapassaram por completo este problema. Provavelmente não alcançarão a cura, porque talvez esta não exista. No entanto, não deixam de frisar que cada situação permitiu-lhes arranjar métodos para saber lidar com os momentos de maior ansiedade.
Há ainda um longo caminho a percorrer e muito para aprender. É fundamental o acompanhamento do próprio doente, não só a nível clínico, mas também familiar. Os pais constituem uma das figuras que permite alcançar o sucesso durante o processo de tratamento. Cármen Rodrigues frisa que é essencial que "os pais estejam atentos ao crescimento dos filhos, especialmente na fase da adolescência". Mas mais do que estar atento, é fundamental criar espaço. Os pais devem criar espaço para os filhos: o espaço de tempo para os filhos, para o brincar, para estarem atentos, para comunicar e conversar. A maior parte dos pais não tem esta disponibilidade. Têm uma agenda pós-laboral muito elaborada, cuja principal função é, na maioria dos casos, deslocar os filhos entre atividades extracurriculares – “Este fator reflete-se na hora familiar que se revela curta, traduzida na hora do banho, do jantar e na hora de deitar”, afirma a especialista.
Será a ansiedade escolar o flagelo do século 21?
Texto publicado a 6 Fevereiro 2017 no site Impala News. Editado por Luís Martins.
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